dos manuais de instruções

Eu devo ter nascido com um manual de instruções. Eu e os meus 6 irmãos, só pode.
Acabei de dar um estalo na minha filha. Custou-me horrores. Sou mais de ameaças ( e ameaço bastante) do que acções mas há dias em que sinto que se o estalo ou a sapatada não saem então mais nada resulta.
E fico na minha infelicidade a pensar que ao menos há-de resultar! Fico, até tudo se repetir novamente e pensar que nada vale a pena.


Dói mais a mim do que a eles, acho. E muitas vezes tento outras abordagens que vêm ou não nos livros: ignoro, falo baixinho, não ligo, ridiculizo (?), grito, bato, tudo em vão. Penso então como faria a minha Mãe e não me lembro. É triste não me lembrar de como cheguei aqui. Na prática acho que não me saí mal, mas da teoria toda que aprendi e como isso aconteceu não sei! Acho que a mentira é a que tirava a minha Mãe mais do sério. Lembro-me de ser "peixeira", da minha Mãe me dizer que estaria bem no mercado ou na Assembleia (embora na altura não percebesse o que isso queria dizer). Lembro-me da primeira (e única!) vez que chamei chata à minha Mãe e disso me ter custado uma colher de pimenta na língua (que insconsciência!). Mas não me lembro de muito mais, e alguma coisa a minha Mãe deve ter feito, por que ninguém nasce ensinado. E eu acho que não me saí mal.

Eu não sei muito bem o que mais fazer. Em alguma altura acabo por perder a cabeça com pouco e a miúda, acho que sem perceber, provoca-me a toda a hora. Talvez seja de ser parecida comigo. É respondona, desafia tudo e todos, encolhe os ombros e revira os olhos, fico maluca. Depois de 20 minutos a virar o quarto ao contrário, a ser mal-educada com a empregada (que por sinal é toda Paz&Amor) numa discussão sobre o pijama, o tule, as meias e uns sapatos, gritei cá de cima que ia descer. Isto costuma ser suficiente. Mas hoje não, continuou na sua peixarada lá em baixo e eu aqui a aquecer. Desci, tomei as rédeas da cena, mandei a senhora subir e tomei conta do assunto. Ou acharia eu que ia tomar. Nada: não me liga bóia e depois de discussões e contagens até 3 e 5 e 10 eu digo-lhe: não me respondas e ela vira-se e diz: respondo sim! (O estalo foi aqui...) Não chorou, ficou com os olhos baixos e brilhantes enquanto lhe secava o cabelo.

Expliquei-lhe que não se discute com um adulto (tentei despersonalizar a coisa...) que quando ninguém lhe faz perguntas que não tem nada que continuar a falar em tom de ameaça. Disse-me: tábem. Disse-lhe que acabasse de arrumar o quarto, que apagasse as luzes e subisse para jantar.
Subi para ventilar (aqui por sinal) e apareceu-me passados uns minutos, com o cabelo lindo de morrer, como se nada fosse, de novo com a sua voz meiga, a pedir que lhe apertasse uma pulseira.

E penso: para que serviu o raio do estalo? volto a explicar-lhe o porquê? ela não percebeu mesmo? e fico à toa, sem saber o que fazer. Porque eles não vêm com instruções. E sinto-me completamente perdida.

Inscrevi-me em workshops na escola, fiz desafios sozinha (este foi mesmo um desafio!) e de vez em quando dou por mim a achar que sou uma merda, que tenho que estar a falhar em qualquer lado, por em alguma altura eles e eu perdemos a cabeça e soltam-se as mãos mais depressa do que as palavras. Isto é tão difícil.

Tenho que ligar à minha Mãe.



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