da dor dos outros

Eu tolero a dor. Quando não tolero mais não tenho qualquer relutância em tomar um medicamento. Eu tolero a dor mas aquela que controlo. Por exemplo, vim agora do dentista, estou com a boca feita num oito, mas anestesiada, tanto me dá.

Já raramente vejo telejornais e hoje vou fechar o facebook. Deixei de ler jornais há muito tempo. A dor que a realidade me causa eu não consigo contornar, não há nada que eu possa tomar para contornar essa dor. Basta uma fotografia de uns miúdos algures na Siria (e eu não posso fazer nada por eles) e fico em lágrimas. Fico a pensar como é que chegámos a isto, se isto alguma vez vai parar... Quando rezo deixo um espacinho para esta dor, e ultimamente, bem ou mal, rezo mais por ela do que por outra coisa qualquer, porque sou realmente abençoada.

Hoje quando passei os olhos pelo facebook não parei mais do que 5 segundos na maldita fotografia e ainda me incomoda pensar nela. Pensar em tudo. Não li a notícia sequer, não vi o título nem sei do que se trata, mas doi-me imenso. Não me quero armar em besta insensível, mas fiquei com a manha estragada...  Estava no dentista e sei que me rolaram lágrimas enquanto estava lá deitada.

A sorte que nós temos, a sorte que os meus filhos têm! E não percebem ainda serem a coisa mais preciosa que eu tenho. A sorte de, sem nada fazerem, serem amados tão profundamente que nada supera esse amor. E o descanso ingénuo de que não correm o risco de nós evaporarmos do mapa, de os deixarmos de amar, de deixarmos de estar presentes.

Quanto mais me confronto com a realidade mais preciso de encontrar maneiras de eles saberem isto. Ainda hoje de manha os enxutei da minha cama... que já estava acordada e que não era preciso abrirem mais a "cortiana" como a X. sugeria. Um dia destes já não estão lá em casa para me ir acordar à cama e eu vou querer que lá estejam, a escancarar as cortinas, a destapar-me, a fazer rolinhos com o meu cabelo e a discutirem quem fica de que lado até eu me levantar. É assustador pensar a velocidade a que tudo passa por nós e a que tudo pode desaparecer. Dá vontade de largar tudo e voltar a puxar todos para dentro de mim...   Dá vontade de os apertar pelos ombros, passar a mão pelo cabelo e pedir-lhes que me jurem que sabem o quanto os adoramos.

Pudera eu, às vezes, fingir que nada mais existe além do nosso conto de fadas... Ou pudera eu fazer qualquer coisa por isso.

Hoje os meus filhos vão rezar comigo por aqueles meninos que vi 5 segundos numa fotografia. E um dia vão saber por que o fizeram. Hoje só preciso que partilhem um bocadinho desta dor, preciso que saibam, quando chegarem aos 35, lidar com isso melhor do que eu, que escrevo ainda com lágrimas por uns meninos longe daqui.

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