das cartas

Fizemos agora o percurso do costume. A caminho de casa sondo como correu o dia, nada de muito óbvio porque senão a conversa fica logo condenada, mas sim, tento saber como foi. Hoje depois do mais novo, fala o do meio, que já vinha meio cabisbaixo a sair da escola: Mãe, o que é pior: perder uma coisa ou perder um amigo? Demorei um bocado a responder a ver se vinha mais qualquer coisa daquela voz docinha, mas não, a pergunta era só esta. Um amigo respondi. E ele começa num pranto. As lágrimas que já lá estavam agora são acompanhadas de soluços. Mete dó. Explica, entre os soluços, que tem um amigo que não resiste às cartas dele mas ele não as consegue dar, só consegue emprestar. E por isso o amigo retirou a sua amizade. E ele chora, e só me apetece chorar com ele...

Podia ligar à mãe, que conheço (e eu que nem sou de conhecer :p) e falar com o miúdo e pedir-lhe que voltasse para o meu filho. Podia seguir o plano que a X. prontamente elaborou de comprar cartas com uma nota que lhe deram nos anos e dar ao amigo, logo, comprar o amigo. Podia dizer que o amigo é palerma e que se o trocou por cartas então não vale o choro. Podia dizer-lhe que foi idiota e que devia ter dado as cartas e pronto. Podia muita coisa, pensei o caminho todo e continuo muito bem sem saber o que sugerir. E ele chora porque não quer perder o amigo. Está disposto a comprá-lo, já percebi.

Eles, os putos, têm a vida tão complicada como a nossa, vivem tão intensamente estas coisas... mas têm a vantagem de as poder chorar, mandar cá para fora. Nós não! Olha eu chorar porque alguém me troca por um colega para ir tomar café, porque alguém não me agradece um esforço, porque alguém não congratula o meu novo penteado ou me conta um segredo?! Acho que chorava um bocadinho todos os dias...
A amizade é uma coisa do caraças, que exige uma manutenção brutal e é tão bruta só por si. Ou é ou não é. Ora nos deixa tão felizes ou tão tristes. Tão confiantes ou desiludidos. Dá-nos a força do mundo e deixa-nos de rastos. Faz-nos rir até doer a barriga, mas arrasa connosco quando magoa... Que eu mantenha sempre as minhas assim... sossegadas, eu segura de que estão lá quando eu não estou e que saibam que estou cá mesmo quando não parece.

Eles, os putos, trocam amizade por cartas, nós trocamos por outras coisas.
E dói tanto nuns como nos outros.
Não sei que lhe diga.
As relações são todas complicadas.
Um dia eles percebem isso, o dia do B. foi hoje.

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